O Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade lançaram (ICMBio) este mês uma cartilha para alertar pescadores e a população em geral sobre o peixe-leão. A iniciativa é um dos primeiros passos dado no país em relação aos perigos do animal invasor das águas brasileiras e que pode ser considerado um temido predador que, por sinal, já foi capturado na costa do Pará, além do Arquipélago de Fernando de Noronha (PE) e Cabo Frio (RJ).

A beleza do peixe-leão, ou peixe-escorpião (Pterois volitans), contrasta com o perigo que ele representa | Reprodução

A beleza do peixe-leão, ou peixe-escorpião (Pterois volitans), contrasta com o perigo que ele representa, conforme alertam os pesquisadores ouvidos nesta reportagem. Um deles é o biólogo e doutor em zoologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Luciano Montag. “O peixe-leão é da região da Austrália, da costa dos oceanos Pacífico e Índico, originalmente, e vem ocorrendo como um invasor marinho em várias regiões do mundo”, explica. “No Brasil, o primeiro registro é de 2015, em Cabo Frio. No Pará, foi visto e capturado em 2020, por pescadores, nos corais da foz do Rio Amazonas, próximo à Ilha do Marajó”, pontua.

A valentia e resistência do peixe-leão tem sido um desafio para as autoridades marítimas de todo o mundo, conta Montag. “Até então, se achava que ele não conseguiria chegar ao Brasil por causa da foz do Amazonas, que tem uma corrente para o Caribe e se imaginava que não chegaria, ainda mais por causa da salinidade baixa, tem muitos sedimentos”, descreve. “Ele gosta de águas mais claras, caribenhas, e aqui ela é mais escura, só que a barreira de corais que temos ao fundo está servindo como uma passagem para esse peixe”, completa.

De acordo com o pesquisador, caso a espécie se firme na costa paraense, o risco para a existência de outros peixes é grande. “Temos muitas espécies na Amazônia que, nessa parte dos corais, são endêmicas, só existem aqui, e deixariam de existir. Vamos perder espécies marinhas que podem ser potenciais presas dele”, teme.

MONITORAMENTO

O doutor em zoologia com ênfase em ecologia e conservação, Thiago Augusto Pedroso Barbosa, que também é professor-adjunto da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), é outro que busca monitorar o peixe-leão e explica os dois principais motivos desse animal ser considerado um invasor de sucesso. “Ele consegue se alimentar de quase qualquer coisa que passe pela boca dele”, conta. “Um estudo nos Estados Unidos conseguiu encontrar mais de 160 itens de alimentos – peixes de pequeno porte, invertebrados e alevinos. Por ele variar essa alimentação de acordo com o que tem no ambiente presente, se adapta bem”..

Thiago Barbosa monitora o peixe-leão e explica o principal motivos desse animal ser considerado um invasor de sucesso. “Ele consegue se alimentar de quase qualquer coisa que passe pela boca dele”; | Wesley Rabelo

Além do apetite voraz, o felino dos mares também não brinca em serviço quando o negócio é se multiplicar. “Eles se reproduzem em uma velocidade relativamente alta. Se a gente soma um animal que se adapta à alimentação e com reprodução rápida, ele é perigoso ao meio ambiente, além de suportar variações de salinidade e temperatura”, complementa. Barbosa detalha ainda que, quando se fala em peixe-leão, se está falando de duas espécies diferentes – Pterois miles e Pterois volitans. “Eles modificam completamente o ambiente em que estão presentes. Conseguem comer os outros peixes e acontece a predação”, descreve.

“Os peixes-leões não têm predadores naturais, têm comida farta e vão se reproduzir. É um ambiente perfeito, acaba virando uma praga e não existe um controle para diminuir essa população. Acaba havendo um desequilíbrio ecológico. Com esse desequilíbrio, isso afeta estoques pesqueiros, os recifes de corais são afetados, os locais se modificam”, ilustra. “Vira uma bola de neve esse cenário, sem contar que tem o problema também do veneno”, lembra. Esses animais têm um histórico bem interessante de invasão. Ele começou a invadir mais ao norte, nos Estados Unidos, devido aquaristas que os jogaram nas águas e foi se espalhando. Começou por lá, veio descendo, chegou na América Central e seguiu descendo”.

VIU UM PEIXE-LEÃO? SAIBA O QUE FAZER!

Veja as principais recomendações que constam na cartilha publicada pelo Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para quem se depara com um peixe-leão.

1 – Foi furado pelo animal?

Procure atendimento médico o mais rápido possível e passe água quente no local atingido para dificultar a ação do veneno.

2 – Encontrou o peixe-leão em um mergulho?

Informe o avistamento ao ICMBio, na região Norte, pelos telefones – 91-98418-8581/98724-9744/3274-1237. Anote o nome do local, anote a profundidade,

fotografe e filme.

3 – Pescou um peixe-leão acidentalmente?

Não o devolva ao mar. Se possível, traga o peixe para a terra e entregue para o ICMBio da sua região. Coloque o dedão dentro da boca do peixe e, com a outra mão, cuidadosamente, corte seus espinhos.

AVISTAMENTOS E CAPTURAS NO PARÁ

l Dois indivíduos adultos de peixe-leão foram coletados por pescadores no Pará. O primeiro indivíduo, de cerca de 20 cm, foi coletado em 16 de setembro de 2020 a aproximadamente 100m de profundidade, durante a pesca comercial. O segundo indivíduo foi coletado com uma rede de lagosta em uma profundidade provável de cerca de 70m e não foi fotografado. O pescador reconheceu o peixe por meio de uma foto.

Invasor pode ser controlado, mas dificilmente erradicado

No Laboratório de Pesquisa em Monitoramento Ambiental e Marinho da UFPA (Lapmar), a presença do peixe-leão em águas brasileiras é tida com algumas certezas e inúmeras questões que os cientistas buscam responder o mais rápido possível. Mestre em oceanografia biológica e doutor em biologia marinha, James Tony Lee relata que o peixe invasor começou a dar as caras nos Estados Unidos e Caribe ainda no início da década de 1980. “Em menos de 30 anos, invadiu e impactou vários ambientes, reduzindo a densidade de vários deles”, conta.

“No Brasil, talvez as barreiras dos rios Amazonas, Pará, possam estar segurando um pouco essas larvas. Não se tem certeza se esses indivíduos que já foram coletados aqui já formaram uma população que está se reproduzindo”, comenta. “Essa é a grande preocupação, evitar que se forme uma população reprodutora aqui e se dissemine mais ainda, principalmente na costa do litoral mais ao Sul. Pode ser que ela já esteja formada e simplesmente a gente ainda não conseguiu coletar esses indivíduos, porque essa espécie ocupa aqui no Norte essa porção mais profunda, que não é tão fácil de acessar, salvo pelos pescadores comerciais. É uma área onde não existe mergulho recreativo, longe da costa uns 200 km, não é uma área em que o público em geral consiga chegar. Nesse ponto, a gente depende muito dos pescadores”.

Segundo James Lee, a cartilha lançada pelo governo é apenas uma das estratégias para conter o famigerado peixe. “A participação dos pescadores é muito importante, o monitoramento deles é crucial, avisar as instituições, as universidades, o Ibama. Não se pode depender só dessa cartilha”, atesta.

“A conscientização dos órgãos fomentadores também, para que novas tecnologias possam ser implementadas, como DNA ambiental, que pode servir como um possível monitoramento dessa espécie, entre outras estratégias”, continua o cientista. “Conhecer mais da ecologia dessa espécie e gerar estratégias para prevenir a expansão, causando menos impacto na estrutura da comunidade. Erradicar é muito difícil”, admite.

CONHECIMENTO

Sobre o papel da comunidade científica, Lee pontua que a busca pelo conhecimento maior sobre a espécie é fundamental. “Se precisa entender a ecologia dessa espécie, onde ela habita, quais ecossistemas ela consegue tolerar, salinidade, condições ambientais, período de reprodução, como ela se reproduz, o que precisa para se reproduzir”, lista. “Então, conhecendo como ela se comporta, a gente usa essa informação para traçar estratégias e evitar a dispersão do impacto dessas espécies”.

Sobre os dois peixes encontrados no Pará, James Lee explica que um foi capturado e outro observado. São adultos, com certeza não nadaram do Caribe até aqui, provavelmente chegaram transportados na forma de larvas”, informa, antes de citar uma outra questão ainda sem resposta.

“A grande dúvida é se a população já se estabeleceu ou se esses indivíduos que chegam aqui, vêm via transporte das correntes oceânicas. As demais espécies foram coletadas em Fernando de Noronha e Cabo Frio. Isso dá a impressão de que elas têm chegado pelas correntes oceânicas, chegando primeiro em Noronha”, analisa. “É preciso fazer um grande movimento, explicando, conscientizando, mostrando o que pode acontecer com o estoque pesqueiro, que pode diminuir”, sugere, sobre as estratégias para combater a espécie.

FAÇA SUA PARTE

O Laboratório de Ecologia e Conservação da UFPA também está aberto a receber informações sobre avistamentos do peixe-leão pelo telefone (91) 3201-8664.

Fonte: Diario do Pará DOL